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Bárbara Escrita

Ela sempre esteve bem embaixo do meu nariz. Embaixo e abaixo, no coração. E,

assim como o próprio órgão que lhe servia de abrigo e esconderijo, eu mal lembrava

que ela existia, apesar de estar ali, viva e ativa, vinte e quatro horas por dia. A escrita

sempre foi uma presença tão natural quanto o ar que respiro. Mas foi quando o ar me

faltou que busquei oxigênio nas palavras. Receber um diagnóstico de câncer aos

quarenta anos, com dois filhos pequenos e em plena pandemia, me chacoalhou. 


Ao viver tamanho fervor de sentimentos contraditórios, como o medo da morte e uma

vontade imensa de viver, vi as palavras saltando para o papel como se não quisessem

mais existir só dentro de mim. Por sua vez, todos os rascunhos que estavam

quietinhos no meu computador começaram a me azucrinar, querendo ser promovidos

a poesias, contos e livros de verdade. 


Foi aí que precisei tirar um seio e, para meu espanto, em troca ganhei uma conexão

com minha essência que há muitos anos eu não experimentava. Me descobri, em

pleno tratamento oncológico, no auge da potência e da fertilidade. Como magia, fui me

lembrando de uma trajetória despretensiosa que percorri sem me dar conta, desde

quando, ainda menina, não tinha dúvidas de que Português era minha matéria

preferida. Revivi na memória diversos momentos em que lancei mão da escrita para

ajudar pessoas, representar ideias de grupos dos quais eu participava, resolver

problemas, comunicar mensagens pessoais e institucionais e, claro, exteriorizar meus

afetos. Esses sim são o grande combustível da minha expressão.


Comecei a transformar afeto em ação. Abri o perfil @barbaraescrita no Instagram,

para tratar das sutilezas e durezas, das belezas e dores da minha jornada de saúde,

que também é a realidade de milhares de mulheres pelo mundo. Lançarei nos

próximos meses meu primeiro livro, pela Páginas Editora - um romance chamado

CRUEL. Passei a me denominar “escritora”, com devoção e apreço por esse título que

hoje carrego sem medo, como um novo batismo para um novo nascimento. 


Outro dia, li o conceito da palavra lapidação: “fenômeno de perda de partes em que se

alcança mais transparência, lisura e brilho”. É assim que me sinto. O seio que se foi,

as palavras que saem de mim. A escrita é minha lapidação. E lapidar é formar seres

mais preciosos a cada instante.

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